sábado, 12 de junho de 2010

ENSAIOS SOBRE HAMLET

ESPECTRO DO REI HAMLET
O Homem mata o Homem
O Homem assalta o poder do Homem
O Homem se alimenta da fraqueza do Homem
Mais podre é um corpo consumado pela morte
Devorado sob a terra pelos mais perversos VERMES
Ou o caráter HUMANO ?
Eu HOMEM
Faleço nos poucos segundos que pertencem a minha EXISTÊNCIA
Das entranhas da noite lanço um grito
Quem entre vós pode me ouvir?
Estou desintegrando
Com o suco do meu sangue
Escorrem o meu fígado
Os meus rins
O meu estômago
Os meus pulmões
E o meu coração
Sou os podres pedaços de uma CONDIÇÃO-VIDA que chegou ao seu fim.

O ESPECTRO DO REI HAMLET permanece em cena durante a fala de HORÁCIO

HORÁCIO
Quem está aí?
O que desejas?
Qual o espectro que caminha por estas terras?
Por que trazes ás vestes e a espada de nosso MORTO REI?
Respondei-me ó espírito andante
Porque atormentas nossas noites e preocupas nossos sonos?
Pobre Dinamarca, padeces dos pecados cometidos por vossa nobreza
E aqui estou em guarda, armado e protegido pelo escudo da justiça
Olho o horizonte para além das muralhas deste reino
E como a águia me preparo para atacar a caça
O inimigo se aproxima e o nosso exército marcha rumo ao confronto
As noites são frias e o meu esqueleto treme
Quem está aí?
O que desejas?
Qual o espectro que caminha por estas terras?

OFÉLIA
Hamlet, meu desejo, meu delírio
Meu HOMEM
Eu te amo, MAS NÃO POSSO
(INTÉRPRETE DE HAMLET (Fala no mesmo instante que Ofélia)) Eu te amo, MAS NÃO POSSO
Não posso tocá-lo
Não posso sentir os teus lábios
Não posso consumir o teu sexo
Não posso ser tua mulher
E minha vontade é servi-lo
Ser tua ama
Preparar tua cama
E desposar-me
Eu OFÉLIA fruto da loucura do amor
Eu OFÉLIA um corpo morto errante e vagabundo
E tudo o que eu queria era ser a tua esposa tua vadia tua puta.

OFÉLIA E HORÁCIO
O Indivíduo precisa ser des - civilizado
O Homem é constituído de suas contradições
Estas contradições precisam ser expostas
Tal como a ferida deve ser tocada para transgredirmos a dor
A Demagogia/Argumentação - Opinião/Afirmação/Opressão: o câncer da modernidade
Quantas são as mentiras que contamos e nos esforçamos para convencer os nossos pares
Na busca escravista de negarmos a nós mesmos o que somos?
Simulamos para o mundo porque acreditamos que pertencer a imobilidade e estagnação é mais confortável diante da negação e aversão a que estão condenados os marginais
Tememos a marginalidade e louvamos a sistematização assassina da vida
Olhemos para nossa história e reconheçamos todos os assassinatos cometidos pelas nossas próprias mãos
A igreja assassina, a família assassina, o sexo assassino, o governo assassino, o preconceito e os costumes assassinos
Matamos e enterramos na lama a liberdade, não contentes ainda, defecamos sobre o seu túmulo
A máscara deveria ser a ritualização dos nossos eus
E não o nosso esconderijo
O Ator é sobretudo o ser humano nu
O gangrena desenfaixado e exposto
A peste agressiva, violenta e consumadora
O hipócrita da não hipocrisia humana
O escárnio não silencioso e agudo

É preciso Representar a sociedade Hamlet!

ESPECTRO DO REI HAMLET
Representa a sociedade Hamlet!
Personifica o Homem!
Simula a vida!

INTÉRPRETE DE HAMLET
EU HAMLET ATOR
NA CARNIFICINA DO TEATRO SOCIEDADE
EVOCO AS VOZES DOS MORTOS, VAGABUNDOS E MISERÁVEIS
É PRECISO EMPUNHAR NOSSAS ESPADAS E LEVANTAR NOSSOS ESCUDOS
ATUAR! ATUAR! ATUAR!
AGIR, CALAI-VOS HOMENS E AGIR!

EU NEGRO ESPANCADO NA GARAGEM DE UM SUPERMERCADO
EU MENDIGO INCENDIADO NAS RUAS
EU UMA CRIANÇA DE TRÊS ANOS ASSASSINADA PELO PRÓPRIO PAI, PORQUE ESTE ESTAVA CONVENCIDO QUE SEU FILHO APRESENTAVA TENDÊNCIAS HOMOSSEXUAIS
EU PROSTITUTA ASSASSINADA ENQUANTO EXERÇO O MEU OFÍCIO

CRIANÇAS SÃO EXPLORADAS NA INDÚSTRIA DO CRIME
BRUXAS SÃO QUEIMADAS NAS FOGUEIRAS MEDIEVAIS
HOMENS DO GOVERNO PRIVATIZAM E ABUSAM DO PODER
AGITADORES SÃO TORTURADOS
AS VERDADES SÃO ABSOLUTAS
QUEM PODE JULGAR?
CONDENAM OS VILÕES ASSASSINOS, MAS COLOCAM NA GUILHOTINA A CABEÇA DA HUMANIDADE

“EXISTE ALGO DE PODRE NO REINO DA DINAMARCA”

ATUAR! ATUAR! ATUAR!
AGIR, CALAI-VOS HOMENS E AGIR!

INTÉPRETES
REPRESENTA A SOCIEDADE HAMLET!

INTÉRPRETE DE HORÁCIO
Hamlet desenterra o que está podre sob o chão da Dinamarca
Desmascara o assassino de teu pai, o rei deste povo
A morte caminha de mãos dadas com a justiça
É preciso cravar a espada no peito daqueles que conspiram contra este país.

O ESPECTRO DO REI HAMLET
O inimigo se aproxima Hamlet, ele já não é mais um personagem distante. É preciso decidir. Quem tem o poder é quem decide. Quem tem a coroa e empunha a espada da justiça deve ser o autor da história de um povo, de uma nação.
Invadem a Dinamarca
Quebram
Incendeiam
Estilhaçam
Assassinam
Impiedosamente abrem o caminho até o seu trono.

O INTÉRPRETE DE HAMLET
Hamlet, meu príncipe
Se soubesse Hamlet o quanto eu te procurei
O quanto eu te quis, e tudo o que eu fiz para ter você aqui, comigo
Eu te procurei Hamlet no silêncio e no escuro de um teatro vazio
Nas minhas leituras equivocadas e acertivas da tua história
Eu te procurei em reinos obscurecidos pela crueldade
Na violência entre os fracos eu busquei o teu escudo, a tua espada
Eu te procurei longe daqui e próximo de mim
Nas noites insones, nas manhãs tempestivas, eu rastejava a tua procura meu sonhado príncipe
Eu cavei um buraco largo e profundo na cavidade do meu ser para ver se te encontrava
Eu te busquei em cada gesto ensaiado, em cada inflexão da voz e nas muitas posições cênicas que construi e ocupei
Eu sempre ali na tua espera, pronto para te achar, te encontrar, te manifestar
Eu me vesti com as tuas vestes, me calcei com os teus sapatos, te esperei, te esperei, meu Hamlet
Eu te procurei nas muitas verdades desmentidas no acaso
Eu acreditei, sim eu acreditei, que você estava dentro
E Narciso me lancei para o lago da vaidade que sou, e você não estava lá Hamlet
Você não estava nos muitos lugares que eu te procurei
Em meio a praça pública, nos submundos marginalizados
No encontro com a puta, com o medo, você não estava
Você não estava no paraíso que fui te buscar, quando acreditei que poderia ser o meu santo, não Hamlet, nós não somos santos, nem eu, nem você, e me negaram o paraíso
Eu tenho te procurado nos versos da minha poesia, na melodia da minha música, na representação do meu teatro, e não tenho te encontrado Hamlet
Eu tenho te procurado nos meus surtos de neurose,
Na suspensão tranquila do meu ser
No meu repouso
E não tenho te encontrado
Eu cruzei as terras e os mares da Europa, eu desbravei a Dinamarca, as suas glórias e frustrações, e não te encontrei
Ouve Hamlet, eu tenho te procurado desde sempre
E agora que eu, o teu INTÉRPRETE te encontro
O cenário em que estamos não é o desejado
E ainda estamos distantes, estamos mais distantes ainda
Eu ofelizado na tua presença convoco o teu amor
Em meio a esta multidão atravessada por tiros, esquartejada pelas leis, oprimida pela ditadura
Me calam quando são as tuas palavras que eu digo
Me prendem quando são os teus gestos que eu articulo
Me matam quando sou EU FUNDIDO Á VOCÊ HAMLET.

REPRESENTA A SOCIEDADE HAMLET.
ATUA HAMLET NESTE TEATRO SEU!
HAMLET?
LOGO SE VÊ QUE JÁ NÃO É MAIS UM GRANDE HOMEM.
ESTES NÃO SÃO TEMPOS DE GRANDES HOMENS, NÃO É HAMLET?

Dramaturgia - Rafael Guerche

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