POR UM MANIFESTO AMOROSO,
PEQUENAS AMOROSIDADES, OS MAL AMADOS,
OU DE QUANDO ME TORNEI UM AMANTE
Personagem: O AMANTE
“Se amamos, nosso amor não é nem de nós, nem para nós. Se nos alegramos, nossa alegria não está em nós, mas na própria vida. Se sofremos, nossa dor não se localiza em nossas chagas, mas no próprio coração da natureza”.
Kahlil Gibran, sábio, poeta, homem libanês e amante
POR UM MANIFESTO AMOROSO
Com minha loucura componho este manifesto, com meus olhos fechados e as mãos atadas para a dor, eu manifesto este desejo meu, queria eu poder ser nosso, meu e seu, e se não o for, mesmo assim quero compartilhá-lo.
É com a minha poesia que faço destes versos o meu dizer na sua preciosa plenitude, com meu corpo de amante dilacero todos os meus instintos profundos, canto para existir, conto esta paixão par ser, esvazio o peito desta prisão construída das mentiras contadas e representadas.
Sim sou eu hoje um amante, um humilhado, um desejado, um repudiado, um querido, um rejeitado, um amado, um ser odiado quando desafiador dos afetos, sim eu sou um amante mal amado, sou aquele que quando embriagado pelo vinho de Dioniso exponho a minha crueldade em versos públicos, sou o poeta embebido por absinto, néctar da impureza e portal para os sonhos oprimidos.
Por um manifesto amoroso, quero ser eu o criador de um novo tempo, sem lágrimas, sem frustrações.
Por um manifesto amoroso, quero me desprender deste corpo que me pertence para conquistar uma dimensão ainda maior e sublime.
Por um manifesto amoroso, grito a todos o que sempre fui, mas somente agora posso sê-lo em minhas verdades.
Por um manifesto amoroso, sou tomado pela força da natureza manifesta em sua criação.
Há tanta vontade latente em mim, são tantos os desejos por tantos outros desejos. Basta de representações, de farsas, não quero mais ser agradável, não mais me interessa os versos baratos, as declarações empobrecidas, as canções ensimesmadas, os velhos discursos e tratados sobre o amor, basta ser uma alma ansiando ser poeta, quero ser eu o poeta e o ator da paixão deste meu coração perdido que aqui estou procurando, perguntando e gritando a todos sobre onde anda o meu coração (vem meu coração e mora neste peito que é seu) , basta de tanto sentimento oprimido, dos teus nãos antes estabelecidos, quero eu dilatar neste espaço todo o meu amor.
Por um manifesto amoroso, estendo-lhe os meus braços, seguro a tua mão e caminhamos neste compasso profundo e largo.
Por um manifesto amoroso, rasgo as minhas vestes, exponho o meu corpo nu, limpo das maquiagens e cicatrizes que a vida insiste em marcar.
Por um manifesto amoroso, me transformo em átomos e partículas, me atomiso, transgrido em bomba atômica para explodir todas as alegrias que sinto.
Por um manifesto amoroso, já não sou mais uma construção, não sou o criador, sou criação em ato.
Eu manifesto este amor, mesmo que seja apenas para me libertar e esvaziar esta célula de sentimentalidades que sou .
Te manifesto amor meu, quero ser o teu companheiro e não o teu escravo.
Sempre desejei despejar em vômito estes dizeres, minha procura, isto que sou. Eu um amante incompreendido nos seus atos amorosos.
Por um manifesto amoroso, manifesto aqui e agora o meu silêncio. Aqui e agora o meu fim. Aqui e agora a morte da poesia que sou.
PEQUENAS AMOROSIDADES
Pequenas são nossas amorosidades. Pequeno o nosso amor, tão pequeno que dentro do peito não preenche o vazio.
E como negar este pequeno amor?
Mãos entrelaçadas, olhares se encontram, no peito palpitações, pés que perdem o chão, respiração ansiosa e ofegante, pele quente, saliva, pêlos, qual é o corpo de nós dois?
Quando estou ao seu lado tenho a sensação do eterno encontro entre nós,
mas quando acontecer de não estarmos juntos, quando acontecer de não nos amarmos mais? Depois do amor o que nos resta?
No momento em que os nossos corpos se separam de cansaço e desejo de liberdade,
o que resta para nós dois de um amor que foi?
Deixa eu cuidar de você?
Vou tratar das suas feridas
E curar a sua dor
Deita no meu colo
E encosta sua cabeça sobre o meu peito
Descansa e sonha um sonho lindo e tranquilo
Quero zelar o seu sono
E dormir ao seu lado
Te segredar aos ouvidos pela manhã
Pelos meus olhos deixarei os raios do sol invadir os seus
Com o mel dos meus lábios vou te alimentar
E na hora de você partir
Eu vou lhe abrir a porta
E sem insistir, vou te dizer adeus
Uma senhora aguarda na estação a chegada do trem que virá ao meio dia, ainda é cedo, porém não se contém esperar em casa até a hora que apontará pela estrada de ferro a vinda deste trem . Há anos sua vida é marcada por esta espera, no dia em que comemoravam datas de companheirismo, o seu homem e amante partiu para compor o exército combatente da mais sangrenta e desumana guerra dos últimos tempos. Três meses marcavam a partida do seu amado quando recebera uma carta informando que este encontrava-se gravemente ferido e estava retornando para casa em sua recuperação, sem receber outras cartas noticiando a saúde de seu homem, esta mulher dedica-se em esperá-lo para cuidar de seus ferimentos e amá-lo, os seus cabelos já embranquecidos e sua pele envelhecida testemunharam a chegada e partida de muitos trens, existe algo dentro de seu peito que ainda insiste pela espera.
Tenho cruzado as ruas desta grande cidade em busca de uma mulher com quem sonhei algumas noites atrás. É estranho o fato dela não possuir um rosto e um nome, estou buscando uma mulher desconhecida. Procuro essa mulher desconhecida nos bares, igrejas e acostamentos, e não a encontro.
Será que essa mulher está em mim, é o grito sufocado em minha garganta, a paixão que arde e consome em meu peito? Por um instante essa mulher sou eu, mas não a tenho, sou um desconhecido de mim mesmo. Como uma canção longínqua dos povos primitivos, eu sou essa mulher.
A mulher trás consigo o mistério das entranhas da terra.
A cidade que cruzo, também é essa mulher, confusa e em movimento.
UM ENCONTRO OU O DESENCONTRO
ELE - Oi.
ELA - Oi.
ELE - Desculpa, mas você está sempre por aqui, não está?
ELA - Não, não estou, é a primeira vez que passo por aqui. E você, está sempre por aqui?
ELE - Não, é a terceira vez. Mas tenho a sensação que te encontrei nestas três vezes e que esta é a quarta vez que te encontro.
ELA - Eu não me recordo de você em nenhum outro lugar. Desculpa, eu preciso ir. (Sai)
ELE - Qual o seu nome?
(Pausa) Diz para o espectador
Então em um outro dia qualquer nos reencontramos neste mesmo lugar.
ELA - Oi.
ELE - Oi.
ELA - Desculpa, mas tenho a sensação que já te vi antes por aqui.
ELE - Você vem sempre aqui?
ELA - Não, é a segunda vez. Mas tenho a sensação que na primeira vez que aqui estive encontrei você.
ELE - Eu não me recordo de você. Desculpa, mas eu preciso ir. (sai)
ELA - Qual o seu nome?
(pausa) Diz para o espectador
Este é um daqueles estranhos que você encontra em um lugar qualquer como este, mas que tem a certeza de que não é tão estranho, de que o conhece tão bem quanto a si próprio.
Deste dia em diante voltamos a nos encontrar por todas as vezes que passávamos por este lugar, sempre alimentávamos a sensação que já havíamos nos visto antes, mas sem muitas certezas sobre o ocorrido. Tenho constantemente retornado para vê-lo, é estranho o que sinto, mas sempre uma ansiedade me assalta e faz com que eu passe por aqui. Há algum não tempo não o vejo mais, aquele estranho conhecido desapareceu. Mas ainda persiste nas minhas lembranças e na esperança de que vou reencontrá-lo, como um acaso que cruza os nossos caminhos e prenuncia a paixão que está por vir ou que nos passou.
Eu acho engraçado quando me dizem “eu te amo”, ou quando ouço alguém dizer para outro alguém que lhe ama. Eu não sou destes que dizem “eu te amo”, não que eu sinta desnecessário em dizer, eu já tentei tantas vezes dizer, retribuir quando me dizem, mas permaneço achando engraçado, não é uma graça sarcástica, é a graça de quem se vê diante de algo que aparenta ser tão sério, que eu não me sinto preparado para tanta seriedade. Me parece que quando alguém diz “eu te amo” coloca nesta pequena frase tanta vida e eternidade, que eu não consigo acreditar que tenho tanta vida e eternidade para compartilhar com alguém próximo. O amor parece ser tão imenso que não posso tocá-lo; não estou sendo descrente. Ás vezes me pergunto se amar é prender-se aos sonhos que construímos no desejo de alguém, vejo tantos se lançarem em um abismo de ilusões sem volta e esperança... isto que faz ser engraçado quando ouço dizer “eu te amo”, alguém padecer tanto por romantismo e necessidade de ter o seu amor contribuído. Quando eu acredito estar amando, apenas amo, amo sem palavras, evocações e declarações, amo com meus beijos, minhas mãos, minhas pernas e desejos, amo com o meu corpo, e isto não acho engraçado, me sinto sublime quando encontro o corpo de outro alguém e sem dizeres o tenho na vontade de deixá-lo ir nas manhãs que se anunciam, sem prendê-lo a mim e sem me tornar prisioneiro dele. E se nesta ida este alguém esperar pelas palavras “eu te amo”, presenteio-lhe com pequenos beijos e ganho-lhe o seu sorriso.
UMA PEQUENA POESIA ERÓTICA
A fruta que trazes entre as pernas
Desta quero provar
Desabrochar este botão
Sugando com a minha língua
O mel que jorra por entre suas pétalas
Teus seios, que belos seios
Ai como desejo tocá-los
Recostar-me como um anjo em seu colo
Deslizar em teu corpo de sereia
Beber do vinho doce que trazes em tua saliva
E me embriagar deste amor que é só teu
Que é tão nosso.
Nesta manhã, depois de atravessar a madrugada em claro, me dou conta que já não somos mais um só corpo, nos desmembramos, seguimos caminhos opostos, direções distintas. O que resta de nós em nossas vidas? No peito os resquícios da mágoa se desfazem, nasce um vazio e a sensação de abandonar o que já me foi tão caro.
Nesta manhã de carnaval, passa o cordão pela rua e me arrasta para a orgia e o samba, vou me entregando na cadência de cada compasso , na sutileza de cada passo, na ardência de um novo abraço.
A PEQUENA FÁBULA DO LEÃO E A FORMIGA
Era uma vez um leão, muito forte, esperto, e como em quase todas as histórias em que o leão era o rei da floresta, este não, mas tinha o ímpeto de majestade
Um dia este leão avistou um dragão, muito belo, reluzente, grande e muito sedutor
Foi então que o leão quis por que quis conquistar a amizade e confiança do dragão
Quando se aproximara do dragão foi arrebatado por uma triste ilusão de que encontrara a companhia mais preciosa em toda sua existência
O que o leão não soubera é que o dragão trazia entre os lábios chamas ardentes de fogo
E com sua vaidade soprava chamas para mostrar sua magnificência
Então o leão foi tocado pelas chamas do dragão que muito lhe feriram
Em um dia de lágrimas e lamentos o leão avistou em seu caminho uma formiga, pequena e aparentemente frágil, em nada comparável ao grande dragão
Diante desta formiga o leão descobriu a sinceridade, a tranquilidade e o amor
O leão declarou a pequena formiga os seus sentimentos e o quanto desejava sua companhia, a pequena formiga disse-lhe que ele era muito forte, impetuoso, especial e que ela era apenas uma formiga frágil e pequena diante de tanta imponência, não sabia o que o leão acabara de aprender, que a grandeza existe nas pequenas coisas do nosso caminho, muitas vezes buscar as grandeza em muito pode nos ferir, vale muito mais o amor de uma formiga que é grande em seu pequeno coração, que o amor de um dragão que dentro de seu coração imenso, grandioso não ocupa tamanho espaço, e assim aconteceu que o leão e a formiga construíram uma linda história que até hoje pode ser contada por todos e em todos os lugares.
OS MAL AMADOS
Eu queria com as pontas dos meus dedos tocar a tua boca
Eu queria com minha fome comer os teus lábios
Eu queria com minha sede sugar a tua língua para dentro de mim
Eu queria abraçar o teu corpo todo com a grandeza do meu desejo
Eu queria com a ardência da minha vontade incendiar o teu sexo
Eu queria ser o teu compositor, o teu poeta, escrever pequenas amorosidades para presentear-te junto aos meus beijos
Mas você não está quando eu chamo, você se esvai como o vento no fim da tarde de outono
Você vem, e quando vem, vai embora e não me diz adeus
Cai como a última pétala da flor mais perfumada, sem se fazer notar em sua queda
Eu queria te trazer de volta, te trazer para junto de mim
Eu queria que quando a morte vier me visitar, estar ao seu lado, você reluzindo em vida e me tranquilizando para eu descansar em paz
Ai! E agora eu não sei mais o que eu queria, que eu ainda posso querer se nem você eu posso ter?
Qual boca? Quais lábios? Qual língua? Qual sexo? Se não os teus amado?
Eu não tenho o que querer, de poder querer, tudo o que eu queria.
Manhã, a noite partiu em sua caminhada, seguiu estrada, deixou um corpo que diante da sua presença ardeu de desejo pela pele, o cheiro e o sabor do amado, também ausente, como a noite no clarear do céu e cantar matutino dos pássaros. Eu mesma não percebi o exato momento em que ambos partiram, quando despertei não estavam mais juntos a mim.
A PAIXÃO
Nesta noite enquanto os meus pensamentos insistem em trazer você, o meu peito bate na esperança de você, o meu corpo arde feito brasa desejando o seu, você ama,
mas um corpo que não o meu, os teus lábios sugam os lábios de outro alguém, as tuas mãos afagam não as minhas mãos e o teu sexo toca não o meu sexo.
Estou enlouquecido como a Lua – só e preso na distância do meu céu.
A Paixão dói, não em você, não em mim, dói em si mesma.
Dói por ser incompreendida, dói por não caber no coração humano, dói por ser escrava de uma verdade que não lhe serve.
Em uma noite passada, nos dissemos apaixonados e eu não sei o que fazer desta paixão oprimida de todos os desejos. Eu não sei se há o que fazer, a noite talvez saiba, mas não me segreda, está silenciada.
As horas estão passando, trazem a manhã.
Então digo a mim mesmo:
“é preciso recomeçar, renascer”, como todas as manhãs, como todos os dias, como todas as paixões.
Parece que sempre estou preso a esta espera, esta espera por alguém que responda aos meus desejos e esperanças. É como não seguir o caminho e ficar parado diante de um imenso vazio, tem momentos em que cruzam este vazio, então me sinto animado, renovado em desejos, para mais tarde entristecer em lágrimas o meu olhar, esta que por aqui passara, fora apenas um sonho, uma miragem irrealizável. Sou como uma casinha no interior de um campo, dessas abandonadas sob o céu aberto, que só se avista ao longe, sempre solitária, por onde não cruzam os viajantes, daqui desta lonjura me perco entre as miragens que avisto e que aos poucos vão se desfazendo e esvaindo como o entardecer cortado pela noite escura e silenciosa.
Ó Lua amada e companheira das noites tristes
Senhora das minhas canções
Em meus sonhos ardes de desejo e incendeias as minhas vontades
Quando eu só vivia, o céu e as estrelas não enxergava
E mais triste minha sina era
Embebeda-me com o vinho da noite
Conta- me os seus segredos, quais foram os seus amantes
E quantos choraram por ti.
UMA MULHER
Eu desejo me desprender das amarras, correntes e mordaças. Vou me libertar da prisão que é estar junto de você. Sou sua escrava, seu colo para desafogar as tristezas, sua esposa, sua senhora, sua mulher. Sempre digo sim aos seus caprichos, sempre estou de acordo, tenho que estar de acordo com tudo o que faz e com cada palavra que diz. Estou abrindo as janelas desta casa para deixar outros ares atravessar as nossas vidas, arrombo a porta para me libertar desta condição e do nosso passado. Quero uma vez, ao menos uma única vez, desrespeitar o homem que me domina, ser imoral, agir como uma prostituta libertina. Sim, quero ser uma PROSTITUTA LIBERTINA e te trair, trair a cama, a mesa, o fogão, a cadeira, a sala, o quarto, o seu rosto, suas mãos e pernas, o seu peito. Saia da porta, destranque o portão, me dê passagem. Vou pisar sobre o teu corpo e cuspir nas suas mentiras de amor. Com minhas mãos vou estraçalhar as cartas, os discos e as flores de um romance que nunca existiu. Não me peça ou insista para ficar. Não. Eu não vou permanecer envolvida pelos teus braços, teus abraços me sufocam, me assassinam. Não. Eu não vou ficar.
Não me olhe como se eu fosse uma louca que em poucos minutos vai desistir e recuar. Eu não vou voltar para esta casa e permanecer sendo sua escrava. Não me toque, não me beije, vou morder os seus lábios e me alimentar do seu sangue, quero estampar em seu rosto minha cicatriz e em seu coração ferir com minha dor.
É costume que o amante se transforme em escravo do ser desejado, escravo dos seus próprios desejos, escravo de cada palavra, de cada suposição e julgamento que o outro para castigar-lhe por seu sentimento o submete. O amante é feito um criminoso, um louco, condenado pelo crime e a loucura de amar em demasia aquele que não guarda por ele se quer um afeto singelo, uma simples amizade. O ser desejado ao sentir-se alvo de tanta paixão descabível e sem sentido para ele, lança-se com o amante a uma luta mortal, em que a morte do outro é um triunfo, uma gloria. O amante é exposto a suposições do ser desejado. Eros é feito prisioneiro, um deus pagão destinado caramente a pagar por sua manifestação. O ser desejado insiste em não compreender que não cabe ao amante dominar os seus próprios desejos e aspirações. O amante é feito um mal que precisa ser banido entre os lúcidos e os homens de bom caráter, o amante é um descarado por natureza, não mede o limiar entre o possível e impossível, ultrapassa as barreiras do permitido e explora a ferida das frustrações mais profundas e indesejáveis ao espirito. O amante treme em tristeza por tanta rejeição, grita, rasga o peito e, delira em febre e sofrimento, não compreende o motivo pelo qual se transformou em um abominável diante do senso, um rejeitado pela normalidade que denominamos relação. O ser desejado pisa-lhe o coração e faz do amante sua sede por crueldade e castigo, pois o outro amara-lhe sem seu consentimento, sem sua pretensão. Em um mundo de tantas leis o que nos contraria é submetido a vontade que alimentamos em destruir o que nos incomoda e quem nos incomoda, o amante quando não um ser pretendido e maravilhoso, nos é um incômodo.
Quando te pesares, deixa
A leveza é um instante
Quando da queda te fazeres companheiro
Suspende-te, no cair nem sempre se morre
Quando acorrentado estiveres, seja então um prisioneiro
É somente o sabor da prisão que trás o desejo da liberdade
Voz que rasga o silêncio confuso da noite
Que conta sobre o que eu não sei
Mas que dentro em mim existe, sim eu posso sentir
Imagens que cruzam meus pensamentos sem direção e sentido
Eu que hoje não sou além do que ontem fui
Sou tomado pela saudade de um tempo e lugares desconhecidos, que já visitei
Este desassossego que agora em mim se faz , é o que sou
Faço do suicídio o meu desejo de não existir
Sou o meu próprio carrasco e salvador
Habito um mistério que não se quer revelar
Há muito sobre esta vida que não sabemos
E não saberemos, ainda que tarde
Mão que se estende a mim
O que procura? É o meu conforto? É a minha covardia?
Queres me acompanhar na solidão
Uma solidão temente em seguir só, que busca a companhia que sou
Eu um errante que seguindo só está
Esta mesma mão que outrora me atingiu a face
Segurou a lâmina que o meu peito feriu
Que me atingiu com pedras, me trouxe o desamor e tantas lágrimas, tantos pesadelos e insônias
É esta mão que agora clama pelo o que já não tenho para dar, porque se esgotara em tanta desesperança
Não chores das minhas lágrimas e sorria dos meus risos
Um novo começo para você, um recomeço para mim
O medo do sabor das desventuras passadas me assaltam em consciência
Já não sofrerei das chagas antes abertas, eu um cristo moderno des-santificado
Sem temer a descompaixão
Mão, eu que te amei, que cantei este amor em cada um dos meus versos
E cantei os teus ataques, a tua ira, o meu fracasso e meu ridículo
O que faço eu mão que estendida está, te seguro? te acolho? te aqueço? te esqueço...
Será que estás arrependida? Que queres um perdão, mas não sabe como pedi-lo?
Sentes receio em ajoelhar-te e pedir-me o perdão?
Mesmo que com a minha distância e medo, te sintas perdoado
Eu te perdoei no momento em que me batera, me cuspira, me acusara, no momento em que me matou
Na dor eu te perdoei, no pranto eu chorava o perdão, na mágoa o que pesara no meu peito era o perdão
Eu te perdoei para me desprender de você, para me dar passagem
Eu que sempre me perguntara: “o que resta quando amor se esgota?”, talvez um vazio, um escuro, um ponto final
Vejo nos teu olhos o que só os teus olhos tem para dizer, eles te desmentem, te revelam
Me vejo no íntimo dos teus olhos, eu lá estou como a sombra do teu passado que em presente se refaz
Nos teus pensamentos eu canto: “os caminhos preciosos estão em toda parte, basta seguí-los, se neles queres pisar, conquiste-os fazendo-se merecedor destes caminhos, a escolha é sua”
Mão, mão sua
Mão, mão minha
Mãos, mãos nossas
Sim, talvez o nós seja apenas a minha invenção, o que somos nós? existimos como nós?
Segura a minha mão e não se prende, entrelace nos meus os teus dedos com espaços de liberdade
É assim que tem que ser, é assim que é, e se não fores, não o será.
Eu odeio os teus passos, eu ataco a tua defesa, eu desejo a tua morte
Eu que antes era um anjo inocente e deixei que me roubasse minha pureza tão cara
Na hora da tua morte quero ser o primeiro a jogar terra sobre o seu corpo em decomposição
Ser o espectador dos vermes que consumirão a tua carne podre
Quero estar no teu fim para lembrá-lo apenas da tua falta de valor, do quanto foi pequeno e mesquinho
"Podemos viver esta paixão sem nos machucar" - palavras suas em uma noite que espero apagar das minhas reminiscências
Podemos, quando é você quem gira a roda do destino
Quando você é quem impõe o quando, o como e o onde
Quando você é quem estabelece as regras do jogo
Quando apenas os seus desejos e vontades são manifestos
Quando eu tenho de ser um escravo seu, rastejando em dor e paixão aos teus pés
É isto o que você mais quer, o que deseja, é esta a tua crueldade assassina
Você ambiciona ser a cicatriz exposta em meu corpo
Ambiciona ainda ser eu a certeza das tuas verdades e a prova dos teus julgamentos
Você deseja, mais do que eu, ser apaixonado por você
Você sente prazer ao me dizer que não sou um desejo seu
Você se orgulha quando me faz um produto das tuas humilhações
Não serei eu o teu castigo, será antes a tua vaidade
E a falta do perdão que tanto necessitará
Você trás a verdade do mundo nas tuas mentiras
E a tua verdade onde está, nas mentiras do mundo?
Você pede para eu rastejar até o seu sexo, para assim poder tê-lo e te satisfazer em suas opressões, quando eu lhe estendo os braços para tentar lhe convencer que o teu sexo não me é o mais precioso e de que eu não preciso me submeter a este seu ato confuso e obsceno
O que está por trás da tua falsa beleza aparente?
Um ser fraco e desejante de amor, de um verdadeiro amor
Mas o amor não se conquista pela destruição do outro
O amor não mora onde está a destruição de si mesmo
O amor está além de cada palavra que contamos para pertencer a esta nossa condição de homens, senhores e gênios a serem compreendidos e obedecidos pelos que julgamos serem mais fracos.
UM ÚLTIMO ENCONTRO
O ATOR QUE REPRESENTA O UM
Os dois estão em silêncio, há algum tempo estão procurando algo para dizer um ao outro, mas a dificuldade faz com que ambos permaneçam paralisados, quase imobilizados em seus olhares recíprocos e perturbadores, na presença um do outro não se sentem confortáveis, talvez ambos desejam desaparecer, mas este sempre foi para suas vidas um momento inevitável, iriam se encontrar mesmo que fosse para permanecer como estão agora, em silêncio. Estão angustiados. É certo que o tempo não curou suas mágoas e que ambos representam um para o outro suas frustrações.
UM
Fazem quantos anos?
O OUTRO
Eu calculei alguns anos, acredito que quase vinte.
UM
Confesso ter me sentido bastante perturbado com o que me noticiou em sua correspondência, e surpreso por me enviá-la.
O OUTRO
Eu não quero ter ofendido você desta vez, mas diante de tudo o que me está acontecendo não pude encontrar uma outra solução que não esta.
UM
Quando você descobriu?
O OUTRO
Há alguns meses.
UM
Como se sente agora?
O OUTRO
Ás vezes sinto medo e outras me sinto tranquilo, mas sei que cada coisa que eu sentir daqui para frente não vai durar muito.
UM
Desculpe. É melhor não falarmos sobre este assunto. Não quero vê-lo constrangido.
O OUTRO
O fato de eu saber que posso partir a qualquer momento não é o que me constrange, me sinto constrangido quando olho para cada um dos meus atos e reconheço o quanto poderiam ser diferentes do que foram.
UM
Você vai morrer?
O OUTRO
Me disseram que sim, não tem mais o que ser feito . Como você se sente?
UM
Estou diante de alguém que em algum momento qualquer poderá partir, sei que não posso fazer nada por este alguém, e que a distância destes anos todos me impedem de construir atém mesmo um sentimento de compaixão por este alguém, me sinto desconfortável em estar aqui.
O OUTRO
Poderia ter sido diferente do que foi, os meus sentimentos poderiam ter sido outros quando não foram, entendo e não posso cobrar-lhe a sua compaixão, pois no momento em que pedira a minha paixão eu te neguei, neguei os meus abraços e minha companhia, e te condenei por tanto desejá-los. Você não está tão diferente o quanto imaginei que poderia estar.
UM
Não, não estou. Mesmo você aparentemente desigual ao que antes fora, ainda permanece sendo o mesmo, mudamos em existência, mas talvez nossa essência sempre permanecerá. A essência da paixão também permanece, mas as dores e os calos fazem com que se transforme em lembranças tristes os até mesmo alegres.
O OUTRO
Quero que você fique bem.
UM
Sim eu estou bem. Quero que você descanse tranquilamente, que estes seus últimos instantes sejam leves e sem sofrimentos.
O OUTRO
Eu fui covarde?
UM
Não, você respeitou os seus sinceros sentimentos.
O OUTRO
Você me perdoa?
UM
Você consegue se perdoar?
O OUTRO
Estou tentando.
UM
Quero muito que possa conseguir.
O OUTRO
Os teus olhos permanecem radiantes como sempre.
UM
A tua voz ainda é serena e sedutora.
O OUTRO
Sempre torci por você, pela sua felicidade. Você é feliz?
UM
Sim, nos intervalos de tristeza procurei ser feliz, e o fui.
O OUTRO
Quando eu partir daqui para sempre você me faz um favor?
UM
Qual?
O OUTRO
Reza pelo meu espirito, para onde ele vagar poder aprender a se perdoar?
UM
Eu... eu preciso ir.
O OUTRO
Você me abraça?
O ATOR QUE REPRESENTA O OUTRO
Durante algum tempo UM observa o OUTRO, tenta recusar-lhe o pedido e partir, mas sabe que este é o último e o mais verdadeiro abraço. UM e o OUTRO se abraçam. Estão silenciados e este silêncio trás consigo a morte do OUTRO, este que negara ao UM o pedido e desejo por tantos abraços, falece nos braços antes rejeitados.
Este é o desfecho da cena.
O AMOR SE ESGOTA OU O ESGOTAMENTO DO AMOR
O amor se esgota, sim, o amor se esgota
O amor se esgota no fim do seu para sempre
Se esgota na mágoa da inquietude
Se esgota nas falsas promessas irrealizáveis
Se esgota quando o eu te amo se transforma apenas em um dizer, uma palavra, não sendo mais um sentimento
O amor se esgota no desejo da morte do outro, no desejo do suicídio nosso
Se esgota em um doloroso adeus
Se esgota na rispidez das ofensas
Se esgota na última gota de orvalho amanhecida
Se esgota nas roupas, livros e objetos guardados pela memória já escassa
O amor se esgota nos tapas dados marcando a face
Se esgota quando no esquecimento da espera
Se esgota nos versos dedicados a frustração e ao abandono
Se esgota na última nota de uma triste melodia
Se esgota em seu inesgotável existir
O amor se esgota nas descobertas das intrigas e no cansaço dos conflitos
Se esgota quando os sonhos chegam ao fim e não restam ao menos os pesadelos
Se esgota no silêncio profundo e revelador
Se esgota no calculismo da arrogância
Se esgota quando na manifestação da crueldade
O amor se esgota quando não nos serve mais, não cabe mais em nosso peito dilacerado
Se esgota quando no desvalor de uma companhia
Se esgota na primavera chegada ao fim e no inverno que se inicia
Se esgota no amargor do passado
Se esgota na descrença do futuro
O amor se esgota na falta da percepção do presente
Se esgota aqui em cada uma destas palavras ditas por esta voz da minha alma
Se esgota na ausência de mim mesmo
Se esgota porque já não lhe cabe mais nada se não esvaziar-se
Se esgota na impureza de um anjo
O amor se esgota no término do adeus
Se esgota na ressaca da embriagues
Se esgota para não mais ser renovado, para não mais ser amado, para não mais ser o meu amor.
O Amor não é o que sonhamos, mas o que vivemos.
Para ver me fiz em rebeldia contra uma ingênua e prazerosa cegueira
Ver-te e todos os sonhos se desfazem
Ver-te e eu não conheço mais o que me eras
Ver-te me coloca diante dos meus enganos
Ver-te e não é amor o que sinto
Ver-te e não desejo mais estar ao seu lado
Ver-te e eu não te quero
Ver-te me faz sincero
Ver-te me trás o seu enterro
Ver-te e eu visito minhas mentiras
Ver-te e então eu sei que não é paixão, é vaidade
Ver-te e eu não estou cego
Ver-te minha revelação
Ver-te como és, és o que não sinto, és o que não sonho, és minha cruel indiferença, és e não te quero, és e não te amo
És sendo um nada, um vazio, e o que apenas vendo já não posso enxergar.
Sou um colecionador de desacertos
Sigo por caminhos confusos, sem partida e chegada
Respiro a inconstância das coisas que cruzam
os meus passos
Há um desassossego em mim, uma inquietante condição
Uma alma desgarrada se refazendo nas suas curiosidades
Eu Narciso me reconheço no espelho que são os teus olhos
Desejo a minha vaidade, amo a minha beleza, que confundo em você
Me entrego ao abraço mortal, me lanço no lago cristalino da dor
O meu corpo se desfaz em infinitos e pequenos pedaços
Na cegueira de mim não pude enxergar o que me era, não te vi
Mas sonhei tê-lo junto ao peito, espartilhei o meu coração
E como Narciso sou o autor do suicídio trazido por minhas vaidades, das mentiras que conto supondo ser suportável minha prisão.
Será que algum dia, em algum momento, fomos felizes juntos?
Será que compartilhamos um mesmo pensamento? Uma mesma sensação? Um mesmo sentimento?
Será que algum passo foi dado por nós dois, o mesmo passo para a mesma direção?
Será que já começamos de um mesmo ponto para acabarmos eu um outro mesmo ponto?
Será que já estivemos juntos alguma vez? Uma vez?
Será que nossos corações já bateram juntos em um mesmo ritmo, em um mesmo pulso?
Será que antes desta nossa separação fomos mesmo companheiros de nós, eu e você?
Por que se quer estar junto? Por que se quer ficar só?
Desculpa eu estar insistindo mais uma vez em dizer as mesmas palavras já esgotadas, sim e desnecessárias. Desculpa ainda insistir e permanecer no seu caminho. Desculpa se não consigo te deixar respirar. É que eu fecho os olhos e vivo um pesadelo, em uma noite insone e intranquila, então procuro no meu desespero a sua proteção, eu sei que preciso entender que não posso te forçar a isto, preciso aprender a te amar assim, não querendo ser a minha companhia e não me amando como eu amo você. Desculpa por este meu choro, por cada uma desta minhas lágrimas, pelo meu pranto. Desculpa por esta falta de você, por ainda não conseguir compreender que você foi embora para não voltar. Desculpa pela esperança que ainda alimento em mim. Desculpa por quando eu acho que você é responsável pelas minhas dores e eu o ataco e finjo te machucar quando é a mim que machuco. É que eu ainda não sei ser só. Ainda preferi acreditar que o para sempre não se esgota. O meu drama não interessa e nem mesmo as paredes estão para me ouvir. Eu não consigo apagar você dos meus pensamentos e de te olhar como olhava ontem e antes. Sim, sou extremamente vaidoso e não desejo perder, estou sempre tentando vencer, ser melhor. Já não temos mais uma história juntos e isto parece não bastar para eu entender que os meus caprichos não valem mais a pena. E mesmo que eu ameace cortar os meus pulsos, sangrar a minha garganta, você não vai voltar. Eu te quero como meu, é um querer prisão, é tortura, opressão. É fragilidade, medo, é falta de amor próprio, é perversa ilusão. Desculpa por hoje meu bem querer, pelas recordações do ontem, desculpa pela insistência do amanhã.
DE QUANDO ME TORNEI UM AMANTE
Catharina meu amor. Eu e você na estação do trem, nossa milagrosa espera. Quando pensávamos esperar o embarque, mal poderíamos saber que era a nós mesmos que esperávamos. Teus olhos atentos para os trilhos, os meus perdidos diante da multidão. Nós dois tão próximos e sem percebermo-nos. O teu perfume exalando no ar, vitimando os meus pulmões. A minha curiosidade pretensiosa a tocar tal cheiro envolvente. De repente nos vemos, e vamos ao nosso encontro. Nossos braços abertos para receber-nos. Nossas lágrimas cristalizando os nossos rostos. Nossos corações e o trem se aproximando... tão próximos, e como no trem embarcamos em nossos corações, seguimos juntos pelos trilhos, o trem pára em uma estação, em uma cidade qualquer e você desembarca, com os meus olhos eu sigo os teus passos, você me acena, e deixa comigo o teu cheiro. Nosso ritual de todas as manhãs, de todos os dias, por toda as nossas vidas. Eu lhe entrego rosas e você me confidencia cartas. Eu te faço canções e você me escreve poesias. Eu te faço um filho e você me ensina a ser homem. Eu te espero noite adentro e você me amanhece com os teus carinhos. E desde aquele instante em que nos avistamos na estação, eu descobri, eu sei... de quando me tornei um amante.
CÂNTICOS E ODES PARA DIONISO
( ASPIRAÇÕES DE UM SÁTIRO-POETA PARA O SEU DEUS AMANTE)
A partir das provocações de uma Bacante Poeta : Hilda Hilst
PRESENÇA SAGRADA
Ó Dioniso, sua presença sagrada aqui se manifesta
Cantam suas bacantes, com suas vozes sagradas
Seus mistérios e segredos
É tempo da revelação
Nada é para sempre
Dioniso manifeste-se aqui
O sofrimento não é eterno
É tempo de luz, é tempo de amor
Dioniso, se não viestes me visitar esta noite
Cantaria e supliciarias tua presença
De dentro do meu corpo e do mais profundo de minha alma
Cantaria e supliciarias tua presença
Desejaria por toda madrugada, por esta madrugada a fora
A tua companhia
Cantaria e supliciarias a tua presença
Até vir me visitar
Com tua doce e irrefreada alegria.
Dizes ó tu encantadora bacante
Dizes onde mora a embriagues
Que apaga nossa dor e nosso torpor
Que livre nos canta e nos dança
Dizes onde Dioniso plantou sua sagrada videira
Para eu cultivar-lhe as uvas e extrair seu suco, transformá-lo em vinho
E repartir aos meus irmãos em festa tanta alegria.
Tua máscara expõe meu corpo nu
Sou carne, sangue que em rio escorre
Escorrendo vou ao encontro do teu oceano
Meu ponto de chegada, meu delírio desejado
Minha noite jubilosa e sonhada
Ser teu sátiro, não pode existir prazer e dor maiores
Cantar teus risos e lágrimas
Embriagado pelos teus mistérios
Tomado pelos teus mais perversos desejos
Estou mascarado e minha face revela e oculta sua face
Porque és dia e noite, sagrado e profano
Tu és o deus mais humano, seja nas tuas virtudes
Seja em teus vícios
Nos teus amores e em tua ardilosa ira
Vem Dioniso meu
Entra aqui
Mora aqui Dioniso meu
Bem perto de mim
E só assim, eu vou sentir
Tuas mãos o meu corpo tocar
Minha paixão nos teus chamados suave a embalar
Sussurras ao pé do meu ouvido Dioniso
Quais os segredos me contas?
Uma doce canção me trazes
Os meus lábios então te dizem
E te dizendo vão os lábios
Que umedecidos de vinho
E ansiosos por paixão
Os meus tocam
UMA PEQUENA PEÇA SOBRE OS AMORES PROIBIDOS
PARA MÃE IEMANJÁ
Salve, salve minha mãe
Adoiá, Iemanjá
Salve, salve minha mãe
Adoiá, Iemanjá
É a rainha da praia, a rainha do mar
A morena das águas, a sereia a se banhar
É a rainha da praia, a rainha do mar
A morena das águas, a sereia a se banhar
Narrador
As ondas do mar trouxeram de terras desconhecidas um misterioso viajante,
não se sabia quem era e de onde vinha, muito menos o que viera procurar naquela pequena cidade, talvez nem mesmo ele soubesse, parece que levava assim a sua vida: procurando pelo mar algum tesouro ou qualquer outra coisa que lhe faltava descobrir.
Desta vez descobriu, mesmo pela ferida e dor. Descobriu não um amor, mas dois amores. Em seu coração cabiam dois amores.
A pequena cidade silenciosamente ardia em calor no dia em que chegara, e a chegada deste homem rompeu violentamente este silêncio.
Os pescadores sentiam uma preocupação assustadora com a presença do viajante misterioso. Não era apenas um desconhecido que aportara na pequena cidade,
mas a lâmina que feriria os costumes daquela gente.
Tião
Ana era a mais linda entre todas as mulheres daquela pequena cidade beira mar.
Seus cabelos eram longos e negros como a noite, a pele queimada pelo sol,
o sorriso claro como a lua e os olhos verdes reluzentes como as estrelas.
Nos amamos embaixo das árvores e sobre as pedras, me fez homem em seu colo de mulher e eu desejei estar entre suas pernas para toda a eternidade.
Toninho
Conheci Ana e Tião em frente a igreja de Santo Antonio, não consigo apagar da memória o instante em que nossos olhares se cruzaram, o meu coração rasgava o peito e ansiava saltar para os braços daqueles amantes.
Sempre levei uma vida de sossego, desde menino a pesca é minha sobrevivência,
meu pai me ensinou a ser pescador, seu pai o havia ensinado e o pai de seu pai também, assim como todos os homens desta pequena cidade.
Minha mãe por ser devota de Santo Antonio, me batizou Antonio. Toninho do Mar é como todos me conhecem, é como Ana e Tião me sussurravam aos ouvidos
em nossas noites de amor.
Tião e Toninho cantam para Ana
CANÇÃO DO POBRE PESCADOR
Se eu fosse marinheiro eu não demorava não
Se eu fosse marinheiro pescava seu coração
Mas não sou um marinheiro
Sou um pobre pescador
Mas não sou um marinheiro
Sou um pobre pescador
Eu me criei na praia
Na praia eu me criei
Eu me criei na praia
Lá onde eu te encontrei
Avistei moça bonita cantando pra Iemanjá
Avistei moça bonita cantando pra Iemanjá
Tião
Toninho do Mar, ainda que o céu e a terra não me permitissem, mesmo que os homens do governo me prendessem, ainda assim eu ia continuar te amando,
assim como amo nossa Ana.
Nasci homem macho... mas não sabia que a vida ia me colocar a prova um amor tão descabido, eu nunca que ia tocar nos pêlos de outro homem, mas então avistamos em frente da igreja um moço tão bonito, com alegria no rosto, lábios vermelhos e vivos. Ana me apertou forte a mão, sabíamos que a partir daquele instante tocaríamos no mistério e seguiríamos rumo ao proibido.
Ana
Do amor brotou o mar.
Do mar brotaram os peixes, as estrelas, o sol e a lua.
Os homens ficaram furiosos com tamanha ousadia da natureza, e de sua fúria construíram uma gaiola prisão. Prenderam a lua, o sol, as estrelas, os peixes...prenderam o mar. E no auge de sua fúria prenderam, lançaram flechas, lanças e pedradas contra o amor, machucaram-no e também o fizeram prisioneiro.
Toninho, Tião e eu, caminhamos os três pelas areias da praia, deixamos marcas e rastros, caminhos que não se apagaram, que não se apagarão. Porque o amor mesmo quando machucado e feito prisioneiro da fúria dos homens, não enfraquece, não morre.
Como o mar que não se esgota... é horizonte e infinito.
Tião
Ainda não conheço o mar.
Ainda não me conheci no mar.
Ainda não conheço o mar que sou, e o mar que és.
O mar e a areia são amantes, do gozo destes amantes nascemos eu e você, nascemos um e o outro, nascemos dois... três.
Narrador
Naquela tarde em que aportara na pequena cidade, Tião trazia ás vestes mais coloridas em um linho vivo e reluzente, o que lhe dava um aspecto não tanto masculino, embora em nada trazia aparência ou se quer uma referência feminina, de longe podia-se avistar um belo homem, mas antes parecia um anjo, sem sexo e tão belo. Um anjo destes que trazem o milagre e o pecado nos lábios, segredando aos homens os mistérios mais recônditos e profundos da natureza. Veio sem acompanhantes, não trouxe muitas bagagens e não se sabe ao certo quanto tempo estava navegando em alto mar, alguns moradores curiosos da pequena cidade arriscavam dizer que este era um feitiço vindo das profundezas das águas, era o demônio dos mares que resolve aparecer de tempos em tempos para atemorizar a vida dos homens de boa fé, vivia a tentar os filhos de Iemanjá, mas isto não passava de boa imaginação daquela gente. Tião era homem mesmo e vindo de terras muito longe dali, havia se encantado pelo mar, era o mundo que nascera para desbravar, mesmo que lhe custasse o seu sossego, o que lhe acontecera, deste dia em diante sua vida tornou-se confusa e inconstante como as ondas do oceano que desejara desbravar.
Em seu pescoço um cordão estava pendurado com uma medalha, ganhara ainda quando criança, era o que gravara em sua memória, mas não sabia de quem e como, nesta medalha a imagem de São Sebastião estava estampada, embora não fosse devoto e temente as coisas de Deus, a este santo era adorador, pensava que seu nome de batismo era uma homenagem ao mártir. Ao santo pedia proteção em suas andanças e sempre lhe cantava uma prece:
Um arco-íris brilhante está cortando o céu
Trazendo a luz das sete cores do amor
É a morada de Oxumaré, o homem e mulher que vivo está
E próximo de Oxalá protege os seus filhos
É a sagrada serpente de Aruanda
É São Sebastião, o soldado do amor
Que flechado pelo ódio foi
Mas planta a paz entre terra, rio, céu e mar
CANÇÕES
DESAMOR
Você veio feito ventania, tempestade em minha vida
Você me machucou
Me fez chorar em noites de insônia
Roubou o meu sorriso
Plantou no meu peito dor
Você veio feito uma pedra, fez ferir minha tranquilidade
Você me trouxe o desamor
Me contou tantas mentiras, me sorriu com sedução
E agora diz que sou eu quem te provocou
Você foi meu desalento, meu sofrimento e tormento
Você me enganou
Mas o tempo vai passar, e quando você aqui voltar
Quero ao menos acreditar, que eu neste caminho não vou estar
O cansaço vai dizer que é hora de partir e nem o meu adeus eu vou te deixar
Das minhas lágrimas você vai chorar, em meu abandono você vai descobrir
Que é preciso se perder, para um dia quem sabe, nos encontrar
SAMBA DA ROSA
Deixa que eu te leve
Deixa que eu vou te levar
Levar pras minhas canções
Que eu fiz pra te consolar
Samba que trás alegria
Samba que é nostalgia
Samba que pela avenida
O seu amor vai chegar
Olha que a roda gira
Olha que vai girar
Girando eu te encontrei
Alegre na rua a sambar
Eu sou do samba, eu sou o samba, eu sambo sim
Sambando eu vou, neste jardim
Eu sou do samba, eu sou o samba, eu sambo sim
Colho uma rosa, vou entregar, pra você e pra mim
RODA (GIRANDO OLÊ, GIRANDO OLÁ)
Chamei o vento
Chamei o mar
Chamei a pedra
Chamei o ar
Chamei o céu
Chamei a mata
Chamei as estrelas
Chamei o fogo
Chamei a lua
Chamei a guerra
Chamei a paz
Chamei o amor
Chamei por você
Chamei a tua companhia
Entra na roda e vem girar
Girando olê, girando olá
No balancê, no balançar
Que eu fiz pra te embalar
Me dá tua mão
Vou te levar
Guiar teus passos
Nesta canção
Sou teu amante, sou tem amigo
Fica comigo
Até a roda parar de girar
CORAÇÃO ESCRAVO
Coração escravo de tanto amor
Será que é loucura sentir assim
Desejo e dor
Lançar-se na solidão
De uma pobre desilusão
Se afogar em tantas mágoas
Por mal tratos lhe acometidos
Transbordar em tantas lágrimas
Por do sonho acordar e em pesadelo se encontrar
Deixa o sol nascer em uma nova manhã
E você bater em alegria
Numa outra melodia
Que anuncia, que a noite partiu
E o dia surgiu
Trazendo apenas as boas lembranças
Do que chegou ao fim
Daquilo que um dia tanto doeu em mim
CANÇÃO DO BEM AMADO
Bem amado meu
O meu bem é seu
Amado eu
Quero ser teu
Ai, amante meu
Me diz que sou seu
Que ninguém mais só eu
Trago o coração que é teu
BEIJA-FLOR, BEIJA-MAR E BEIJA-LUZ
Beija - Flor
Beija eu
Traga o doce da rosa formosa
Que gostou do beijo seu
Beija - Mar
Me ensina amar
Como as ondas
Que com a praia
Vivem a se encontrar
Beija - Luz
Que me seduz
Quando reluzente está
No sul a brilhar, em estrela
Compondo a mais bela e linda cruz
SOBRE UM HOMEM E UMA MULHER
Eu sou Eu. Você é Você
E isto nos basta para sermos Dois
Dois e não Um
O amor não nos unifica, nos multiplica
Você estende sobre mim o seu Ser
Me consome com este Ser
Me deseja como sua pretensão
Como o quadro em que quer me emoldurar
E Eu sou Eu. Você é Você
É o que somos e o que seremos agora e sempre
O seu viver não é suficiente para não me estar morto
A liberdade é simples, é um não querer
O amor é simples, é o egoísmo assassinado
Quero matar suas verdades e enterrar seus julgamentos
Ser só quando não se está
Ser Dois quando apenas se é Um
E Eu sou Eu. Você é Você
Percebe como é linda esta canção?
E nós somos apenas as suas notas, a sua melodia.
SÓ FEZ ACABAR
Doeu, doeu
Cada palavra dita, toda a humilhação
Das mágoas que tanto guardei dentro do coração
Hoje eu sei que tudo o que tinha para dizer, foi dito
Me sinto mais leve, porém no fundo ainda queria ser seu amigo
A vida sempre é quem ensina, sei que eu aprendi com esta lição
Amar alguém que tanto me fez sofrer por ingratidão
E não teve receios em me expor e machucar
O tempo vai passando e a vida caminhando
Ontem foi você quem me feriu, hoje fui eu
Talvez amanhã descobriremos que tanto orgulho e dor
Só fez acabar com um possível grande amor, uma linda amizade
Só fez acabar com os risos compartilhados e carinhos bem guardados
Só fez acabar com os sonhos em nossos corações
E com lágrimas hoje estamos distantes e brigados
E hoje com o fim eu sigo e você também
Na esperança de não ser mais desamado por ninguém
PAISAGEM AZUL
Paisagem azul dos teus olhos
Vermelho coração dentro do peito
Palavras que dizem em silêncio
O que os sentimentos pretendem
Pequenos gestos movem no espaço a vontade do abraço
Paisagem azul dos teus olhos
Vermelho coração dentro do peito
Versos que formam declarações e poemas
Quando da hora de uma partida, de uma chegada
Companhia que cruza a fria madrugada
Paisagem azul dos teus olhos
Vermelho coração dentro do peito
A rua na cidade lá fora, meus olhos avistam pela janela
Teus pés caminham incertos para alguma direção
Eu te espero em meus pensamentos movidos pela emoção
Paisagem azul dos teus olhos
Vermelho coração dentro do peito
Quando você está aqui, eu me perco
Nas tuas canções, na tua presença
Sou lágrimas, sou chuva desejando que você, não me esqueça
AI, É CARNAVAL
Ai, é carnaval
Ai, ai, ai é carnaval
Foi nesta avenida que eu te conheci
Foi neste cordão que teus beijos eu ganhei
A mais linda cabrocha
Mulata e moça brejeira
Que com seu sambinha
Anunciou que o meu amor chegou
Ai chegou, chegou, chegou
Chegou o meu amor, chegou
Ai, é carnaval
Ai, ai, ai é carnaval
Hoje eu sou um Pierrô, sou o Mestre Sala
Esperando minha Columbina
A Porta Bandeira que o meu coração neste bloco levou
E passou, passou, passou
E na Quarta-feira de Cinzas nada me deixou
Ai é carnaval
Ai, ai, ai é carnaval
SAMBA TRISTE
Hoje o samba amanheceu cantando para a cidade sua tristeza
Seu coração parece estar partido
É tanta dor e desilusão
Pois quem canta lá no morro não é mais a gente simples
Quem samba já não é Maria, Joana e Luiza
São as lágrimas desta gente desesperada
Que a cada manhã vê um filho seu partir
Indo embora para bem longe
Deixando o morro e tanta saudade
Tem muitas mulheres rezando pelos seus filhos partidos
Tem muito pai desafiando Nosso Senhor, o Criador
Não é justo tanto homem morrer assim
Deixando chegar ao fim a esperança de que a justiça
Como um raio de sol lá do alto vai brilhar
E em cada canto do morro, cada casa
E em cada roda de samba vai iluminar
Samba triste é o que se canta no terreiro para os Orixás
Mas quem sabe vai chegar a hora que estes filhos para sua casas hão de retornar
DESUMANO AMOR
Trago no peito rasgado as lágrimas de um amor maltratado
Lembranças das feridas profundas
As marcas que em meu corpo e alma não escondem os ataques e as loucuras
Pelas quais me lancei em um abismo escuro e sem fim
Soluços de dor, gritos lancinantes banhados em sangue
Palavras de mágoas
Escrevem esta letra, compõem este meu poema
No fundo deste abismo, não tateio um chão, não vejo chegada
Como um vidro estou partido em muitos e milhares de cacos
Tão pequenos e imperceptíveis ao vento
Se te penso e te chamo, me perco, eu não me encontro
Na noite finda em sua madrugada, não me vejo, não estou
A voz que ecoa já não é a outrora sufocada em minha garganta
Das chagas abertas, do amor tão humilhado, dos abraços forçados sedentos de paixão
Nasço eu humano
Desumanamente amante
Um andante, errante
Acompanhado por seu dilacerado coração
Dramaturgia - Rafael Guerche
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